sexta-feira, 27 de maio de 2011

O DISPOSITIVO DA SEXUALIDADE



Foucault é visto como o historiador das proibições e do poder repressivo porque buscava o discurso das "verdades". FOUCAULT afirmava que nas sociedades ocidentais, durante séculos, se ligou o sexo à busca da verdade, sobretudo a partir do cristianismo.
A confissão, o exame da consciência, foi o modo de colocar a sexualidade no centro da existência. O sexo, nas sociedades cristãs, tornou-se algo que era preciso examinar, vigiar ,confessar e transformar em discurso. Podia-se falar de sexualidade, mas somente para proibi-la. O esclarecimento, a "iluminação" da sexualidade se deu nos discursos e na realidade das instituições e das práticas. As proibições faziam parte de uma rede complexa.
O autor, em seus estudos, se propôs a fazer a história política de uma produção de "verdades". Dizia que vivemos em uma sociedade que produz discursos tidos como verdades. Essa produção de "discursos verdadeiros" resulta na formação de poderes específicos. Assim, sustenta que as "verdades" produzidas em relação à sexualidade tornaram-se um problema no Ocidente, uma vez que levaram à repressão sexual.
Apesar da explicitação discursiva, o autor reconhecia que a repressão e a miséria sexual existem. Mas ele não se preocupava em explorar a natureza da ideologia vigente e suas conseqüências em relação à sexualidade. Não se propôs a analisar as formas e as condições desta repressão e miséria, mas se preocupava em fixar o "método" que as concebem. Para ele, o capitalismo não tem o propósito de privar a sexualidade, mas não pode desenvolver-se sem privá-la. Seu enfoque consiste em apreender os mecanismos positivos que, ao produzir a sexualidade de determinada maneira, acarretam efeitos repressivos e de miséria. Cita, como exemplo, a exagerada importância dada à masturbação infantil a partir do século XVIII, perseguida como uma epidemia terrível.
Na época, visava-se a reorganização das relações entre o mundo adulto e a criança; sendo esta vista apenas como a semente de futuras gerações. O sexo da criança tornava-se alvo e instrumento de poder. Daí uma miséria sexual da infância e da adolescência de que nossas gerações ainda não se livraram; mas o objetivo procurado não era esta miséria, não era proibir. O fim era constituir, através da sexualidade infantil, (...) uma rede de poder sobre a infância.
A idéia de que a miséria sexual provém da repressão (que é também efeito do mesmo dispositivo que gerou a própria miséria) e que, para ser feliz, temos que liberar nossa sexualidade, advém dos sexólogos, dos médicos ou de outros detentores do saber, diz o autor. Estes apresentam a revelação (a eles) dos segredos que oprimem o indivíduo como solução das frustrações sexuais em busca da libertação. Tal discurso é, segundo FOUCAULT 2, um instrumento de controle e de poder, pois sustenta a idéia de que é suficiente, para ser feliz, ultrapassar o umbral do discurso e eliminar algumas proibições.  Considera, então, que esse discurso acaba por depreciar e esquadrinhar os movimentos de revolta e libertação.

A QUESTÃO DA HOMOSSEXUALIDADE

O autor enfoca a questão da homossexualidade, ponderando que, em torno de 1870, os psiquiatras passaram a considerá-la como objeto de análise médica, ponto de partida para a introjeção de novas intervenções e controles. Os homossexuais passaram, assim, a ser percebidos como loucos ou doentes do instinto sexual. Antes, eram considerados libertinos ou delinqüentes.
Surge, então, a invenção estratégica da "mesma" vontade de verdade. O mesmo acontece com as demais minorias: a mulher, o negro, etc. Os mesmos mecanismos levam à patologização da mulher ao considerar seu sexo frágil, quase doente. Os movimentos feministas aceitam o desafio ao assumirem sua singularidade e suas conseqüências, e reinventam seu próprio tipo de existência partindo dessa sexualidade que as aprisionam para direcionarem-se à outras afirmações, conclui o autor.
Nesta perspectiva, FOUCAULT está considerando que um mesmo dispositivo produz fenômenos semelhantes. Ou seja, a estratégia que produziu a "patologização" do homossexual, produziu também a da mulher, da criança e de outras minorias. Não é seu propósito distinguir e questionar as diferentes correntes dos movimentos de libertação. Parece considerá-los como uma forma homogênea, embrionária, que tomarão corpo somente quando se constituírem como discurso e estiverem em posição de exercer o poder.

OPRESSÃO LIBERTAÇÃO

O mecanismo que origina a opressão é o mesmo que gera a libertação. Em outras palavras, os agentes sociais partem sempre do mesmo dispositivo ou estratégia para inovarem um discurso e o exercício do poder. Este poderá ser opressor sobre uma minoria ou, ao contrário, libertador da mesma. O autor refere, por exemplo, que o importante nos movimentos de libertação da mulher não é a reivindicação em si, mas o fato de terem partido do próprio discurso que era formulado no interior dos dispositivos de sexualidade. Os movimentos surgem no século XIX como uma verdadeira "dessexualização", como um deslocamento em relação à centralização sexual do problema, para reivindicar formas de cultura, de discurso, de linguagem, e outros, diferente da determinação e fixação vigente.
FOUCAULT  relata que, atualmente, está se esboçando um movimento contra esta "sexografia" que decifra o sexo como segredo universal. Trata-se de fabricar outras formas de prazer, de relações, de coexistências, de laços de amores.  Em relação às crianças, começa a se esboçar um discurso em que a vida da criança consiste basicamente em sexualidade. Por isso questiona se tal discurso é libertador, se não aprisiona as crianças em um tipo de insalubridade sexual;  se a liberdade de não ser adulto consiste justamente em não estar dependente de uma lei ou princípio, tão entediante, da sexualidade; e se não seriam as relações polimorfas  (ou seja, as relações sem padrões de comportamento) a própria infância, caso isso fosse possível. Mas considera que o polimorfismo, ao contrário, é visto pelos adultos (por questão de segurança) como perversidade. Desta forma, a criança passa a ser oprimida inclusive por aqueles que pretendem libertá-la.
Para ele, o dispositivo da sexualidade já existia antes da Modernidade. Parte do princípio de que a civilização implica regras sociais sem as quais se instala a barbárie, e a "regulamentação sexual" é essencial à organização da sociedade. Contudo, se esse dispositivo já se manifestava antes dessa Era, como ele explica, o que tornou o discurso tão evidente a partir dessa época?

DA REGULAMENTAÇÃO À REPRESSÃO
A "regulamentação sexual" teria sido levada ao extremo a ponto de se substituir o termo "regulamentação" por "repressão" sexual? O que determinou que, antes da Era Moderna, a sexualidade era "regulamentada" e, a partir dela, tornou-se "repressiva"?
Segundo FOUCAULT, a sexualidade é um comutador que nenhum sistema moderno de poder pode dispensar.  Ela não é aquilo que o poder tem medo, mas aquilo que se usa para seu exercício. As proibições não são formas essenciais do poder, são apenas seus limites, as formas frustradas. As relações de poder são, antes de tudo, produtivas. O foco principal do autor são os efeitos do poder e a produção de "verdade”. Para ele, a partir do momento em que há uma relação de poder, há uma possibilidade de resistência. Há sempre a possibilidade de modificar uma dominação sob determinadas condições e conforme uma estratégia adequada.
É nesse sentido que expõe como se dão as mudanças sociais. Explica que o poder é um feixe de relações organizado, piramidalizado e coordenado, mas que sempre há movimentos que levam as estratégias (que coordenam as relações de poder) a produzirem efeitos novos e domínios que, até determinado momento, não eram previstos. 
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* Texto adaptado do artigo de Manoela Ribeiro, Disponível em: http://www.ee.usp.br/reeusp/upload/pdf/470.pdf